I Não me sinto Poeta, nem mesmo cronista, que dirá escritora. Tão-somente escrevo. Tudo aquilo que explode e por dentro me implode. Torna-se imperativo, imprescindível, então, rascunhar, escrever. Submissa, obedeço. Catarse, exorcismo, digito Palavras na tela. Se, rebelde, não o fizer, morro asfixiada por Elas. | II Inveja é o que sinto dos que escolhem temas, assuntos. Falam de tudo um muito. Princípios profundos, certezas inabaláveis, verdades absolutas, opiniões inquestionáveis. Pétreos, monolíticos, nada os agita ou abala. O mundo, o Ser, a Vida? Mistérios desvendados. Questões assentadas. Enigmas resolvidos. Equações sem incógnitas. Qual brincadeira de criança, basta dar o mote, o tema. Como num passe de mágica, eis que das cartolas surgem crônicas, contos, poemas romances, artigos, análises e até monografia polêmica. III Comigo, dá-se o inverso. Contraditória, fragmentada, sei nada de coisa alguma. De mim, opiniões fogem. Certezas, juízos, pré-conceitos? Não as tenho. Nunca os tive. Verdades eternas, incontestáveis? Quando muito, duram segundos. Assuntos? Idéias? Temas? O que compreendo deles? Apelo para o sobrenatural: vaticínios, profecias, vidências. Minha aritmética existencial foi-é subversiva e subvertida. Nada vezes nada tanto pode ser igual a tudo ou igual a nada. A geometria da Vida, em mim, ganha outras formas, dimensões. Retas são cortadas por curvas, ora côncavas, ora convexas, ligam o nada à coisa nenhuma. Paralelas, insanas, cruzam-se. Não aguardam, pacientes, o infinito. Aos que, porém, duvidam, afirmo. Há coerência em minha incoerência, pois que sou assim: caleidoscópica, visionária, utópica, metamorfósica. Equilibrista, arrisco-me sobre o abismo entre sanidade e loucura. | IV Talvez, por tudo isso, seja assim. Palavras, em mim, surgem. Elas chegam, se impõem. Vêm e vão a seu bel-prazer, sempre à minha revelia. Nunca pediram licença ou solicitaram permissão. Por instantes Delas cativa, obrigada sou a escrever. Sobre o quê? Elas determinam. Se quero falar de liberdade, Elas ditam melancolia e dor. Se tomada sou pela ansiedade, Delas brotam flor, afeto, amor. Se urgente é sublimar a realidade, invadem-me em cansaço e dor. Quando o desejo maior é sorrir em soluços, profusão de lágrimas, Elas inundam minha face marcada. V Quando Delas, por fim, me liberto, torno-me oca, no vácuo desorientada. As Palavras partem como chegam. Sem qualquer simulacro de despedida hasta la vista, au revoir, bye, adeus Levam o que havia de melhor em mim Deixam-me muda, vazia, desabitada. O que fazer com tamanha liberdade, se Delas sou serva, refém, escrava? Ficamos imóveis, inertes, a espera... Eu e meu carcereiro: o nada. | | |